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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Operações Back to Back Credits

PARECER JURÍDICO

Objeto: Operações “Back to Back Credits”

1 – DO RELATÓRIO

Com a evolução das práticas comerciais em todo o mundo, por meio da modernização e globalização dos mercados, expansão e avanço econômico, além da constante atualização tecnológica, cada vez menos as barreiras geográficas significam um obstáculo à concretização de negócios internacionais.

A logística mundial está cada vez mais integrada e alinhada, ao ponto de se remeter uma mercadoria, de um hemisfério ao outro, num prazo curto de algumas horas, situação inimaginável anos atrás. Os setores de Administração e de Engenharia, atuantes na seara do comércio internacional, caminham a passos largos rumo à maximização de lucros em suas operações, contribuindo consideravelmente para o desenvolvimento econômico do país.





Nesse cenário, fatores de grande importância são a evolução e a interpretação da legislação que regulamenta tais relações comerciais, notoriamente aquelas voltadas para o comércio internacional, que tratam, dentre muitas coisas, da tributação em operações de importação e exportação, assunto este não raras vezes polêmico.

E é sob esta polêmica, então, que se apresenta o tema central deste parecer, qual seja o tratamento tributário dispensado às chamadas operações “back to back credits”, que nada mais são senão operações de comércio internacional que conjugam a logística moderna com a interpretação e aplicação da legislação tributária mais benéfica ao contribuinte, situação esta que será detalhada a seguir.

Mais precisamente, iremos restringir este parecer à análise e posicionamento tributário em relação à isenção ou não da cobrança de Pis e Cofins incidentes sobre o faturamento advindo das operações “back to back credits”, posicionamento hoje divergente perante a Receita Federal do Brasil, mas que será, por meio deste instrumento, voltado à comprovação e fundamentação do cabimento da isenção em proveito dos contribuintes, ou seja, em benefício das empresas exportadoras.

Destarte, com vistas a elucidar as dúvidas porventura existentes sobre o tema, facilitando a compreensão do leitor, serão elencados os principais pontos que contornam a questão. Vejamos.



1.1 - Conceito de operação “Back to Back Credits”


As operações denominadas de “Back to Back Credits” são aquelas em que uma determinada empresa, situada num país “A”, compra no mercado internacional certo produto de propriedade de uma segunda empresa, situada num país “B”, revendendo-a a seu cliente situado num país “C”, sem a necessidade de que a mercadoria transite pelo país “A”, sendo enviada diretamente do país “B” ao país “C”, este último onde está localizado o cliente final da mercadoria.

Trata-se, pois, de uma operação triangular em que se elimina uma etapa na operação da venda internacional, reduzindo assim o tempo de entrega da mercadoria ao cliente final, além, é claro, de também reduzir consideravelmente a carga tributária e os custos operacionais incidentes sobre toda operação.

De acordo com o Banco Central do Brasil – BCB, em conceito publicado em seu site oficial,

“As chamadas operações de back to back são aquelas em que a compra e a venda dos produtos ocorrem sem que esses produtos efetivamente ingressem ou saiam do Brasil. O produto é comprado de um país no exterior e revendido a terceiro país, sem o trânsito da mercadoria em território brasileiro.”

Portanto, trata-se de uma operação atípica de exportação, com a peculiaridade de que a mercadoria não transita fisicamente pelo território nacional. Há que se frisar, todavia, que nestes casos existe a emissão de documento fiscal pela empresa sediada no Brasil (vendedora/exportadora), documento este destinado ao cliente final, ou seja, não se trata apenas de uma operação de nacionalização de divisas em função do recebimento de receitas no exterior, mas sim de uma venda realizada no Brasil à cliente sediado no exterior, tal como se procede nas exportações ordinárias em que a mercadoria transita fisicamente pelo território nacional.



1.2 – Do ponto controvertido – a problemática da questão


Como de conhecimento geral, sobre as operações de exportação incidem isenções e imunidades previstas, estas na Constituição e aquelas em leis que regulam especificamente determinados tributos.

É o caso, por exemplo, do Pis e da Cofins, sobre os quais incide a isenção tributária, quando os fatos geradores se derem em função de operações de exportação. Tal benefício é altamente justificável e adequado, ao passo em que visa, nitidamente, o fomento das exportações e da competitividade de empresas nacionais diretamente no mercado internacional, aumentando a entrada de divisas no país e, conseqüentemente, dinamizando a economia nacional.

Ocorre que, exatamente nesse ponto, surge a controvérsia da questão: a operação “back to back credrits” é ou não uma operação de exportação? E sendo, estaria ela submetida aos incentivos fiscais, notoriamente a isenção do Pis e da Cofins?

Isso porque, sendo uma operação de exportação, via de conseqüência, a operação “back to back credits” também se beneficiaria, de forma justa e lógica, dos incentivos criados ao setor, como, neste caso, a isenção sobre a cobrança de Pis e Cofins.

Raciocínio oposto, no sentido de não se caracterizar uma operação de exportação, ter-se-ia então a incidência de Pis e Cofins, situação que não nos parece muito adequada, tendo em vista a interpretação da legislação regente e também a lógica sistêmica dos objetivos político-econômicos da instituição destes benefícios.

Nesse passo, agravando a problemática apresentada, a Receita Federal do Brasil – RFB, através da Solução de Consulta nº 202/2003, se posicionou de forma contrária ao entendimento de que as operações “back to back credits” seriam operações de exportação, classificando-as apenas como operações de venda no mercado internacional, sobre as quais deveria incidir a cobrança de Pis e Cofins.

Todavia, em que pese o entendimento inadequado defendido pela Receita Federal do Brasil, certo é que, indiscutivelmente, sobre as operações de “back to back credits” não deve incidir a cobrança de Pis e Cofins, o que se afirma com base nos motivos e fundamentos a seguir apresentados.

Esse é o relatório. Passa-se a fundamentação.

2 – DA FUNDAMENTAÇÃO


Inicialmente, cabe destacar que as operações de exportação são aquelas em que uma empresa nacional atua no mercado internacional ofertando determinado produto ou serviço, auferindo, em contrapartida, receita proveniente da respectiva operação que ingressará no país a título de receita de exportação.

Sobre o conceito de exportação, José Manoel Cortiñas Lopez e Marilza Gama dividem-no em três gêneros, sendo Comercial, Aduaneiro e Cambial:

“Comercial – A exportação de uma mercadoria se configura quando ela é disponibilizada ao comprador estrangeiro em local e prazo estipulados em contrato de compra e venda internacional.

Aduaneiro – A exportação ocorre com a saída da mercadoria do território aduaneiro, que compreende todo o território nacional.

Cambial – A exportação acontece com o ingresso da divisa pertinente em pagamento (liquidação do contrato de câmbio).”


Desta forma, analisando-se a operação “back to back credits”, percebe-se claramente que se adéqua perfeitamente a dois destes conceitos, quais sejam o Comercial e o Cambial, distinguindo-se, apenas, do conceito Aduaneiro.

Portanto, no centro da questão, há que se construir um conceito sistêmico, que alcance, de fato, os objetivos da República Federativa do Brasil. Tal conceito, sem sombra de dúvidas, será aquele construído no sentido de proporcionar, às empresas nacionais, maior competitividade e lucratividade face à suas atividades no mercado internacional. Este é, exclusivamente, o objetivo da concessão de isenção sobre o Pis e a Cofins nas operações de exportação. Limitar este entendimento seria reduzir medidas macro-econômicas, de relevância nacional, a meras deliberações administrativas, a exemplo do entendimento externado pela Fazenda Nacional, com a publicação da Solução de Consulta nº 202/2003, em que transforma um conceito político-econômico de relevância nacional em uma medida baixa e cruel visando unicamente o aumento de arrecadação tributária. Com toda vênia, é um “tiro no pé”.

Noutro giro, corroborando o entendimento aqui defendido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio da relatoria do Ministro Castro Meira, assim se posicionou:

RECURSO ESPECIAL. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXPORTAÇÃO. RECEITAS FINANCEIRAS DECORRENTES DAS VARIAÇÕES CAMBIAIS POSITIVAS. NÃO-INCIDÊNCIA. REGRAS DE ISENÇÃO E DE IMUNIDADE. 1. A isenção da contribuição ao PIS e da Cofins incidente sobre as receitas decorrentes de operações realizadas na venda de produtos para o exterior, prevista no artigo 14 da Lei nº 10.637/2002, também alcança a variação cambial positiva destes valores. 2. O contrato de câmbio realizado entre a empresa exportadora e instituição financeira reconhecida pelo Banco Central do Brasil, do qual podem decorrer variações cambiais positivas ou negativas, não constitui negócio dissociado da operação de venda ou prestação de serviços ao exterior, mas mecanismo indispensável à sua efetivação, pelo que não pode ser tributado na forma do disposto no art. 9º da Lei nº 9.718/98. 3. Ainda que se possa conferir interpretação restritiva à regra de isenção prevista no art. 14 da Lei nº 10.637/2002, deve ser afastada a incidência de PIS e Cofins sobre as receitas decorrentes de variações cambias positivas em face da regra de imunidade do art. 149, § 2º, I, da CF/88, estimuladora da atividade de exportação, norma que deve ser interpretada extensivamente. 4. Precedentes da Segunda Turma. 5. Recurso especial não provido.

Este posicionamento, adotado por nossa corte superior, demonstra in totum a linha de raciocínio a que se deve deflagrar diante de conflito conceitual como o aqui debatido. Não se pode admitir que a Fazenda, na tentativa voraz de “abocanhar” mais uma parcela da receita nacional, adote interpretação restritiva e anti-progressista como a que efetivamente adotou.

Raciocínio semelhante ao adotado pelo Fisco importa em afronta direta ao texto Constitucional, especificamente a um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, in verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
II - garantir o desenvolvimento nacional;
(grifo nosso)

Interpretar restritivamente o conceito de exportação, para ver cassado um benefício instituído constitucionalmente, não parece medida adequada, tanto do ponto de vista comercial quanto do ponto de vista legal, uma vez que, como já abordado, as operações “back to back credits” de fato se adéquam como operações de exportação, apenas com uma característica aduaneira especial, que nesse caso se refere ao fato de a mercadoria vendida no mercado internacional não transitar fisicamente pelo território nacional. Esta característica, por si só, não tem o condão de desvirtuar o conceito de exportação para negar a uma operação legítima um benefício instituído com o objetivo específico de desenvolver a economia nacional. Tal interpretação, ao contrário, acabaria exatamente por desencorajar e afetar diretamente o desenvolvimento econômico.

Por pressuposto, vencidas estas questões conceituais, podemos afirmar, sem qualquer ressalva, que a operação “back to back credits” é efetivamente uma operação de exportação, devendo ser submetida, também, às isenções do Pis e da Cofins.

Tais isenções têm suas previsões tanto na Constituição Federal quanto em legislação infraconstitucional. Vejamos.

A Carta Magna, em seu art. 149, §2º, inciso I, referindo-se às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, traz a seguinte regra de imunidade:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(...)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
(grifo nosso)

Já a Lei 10.833/03, que dispõe precipuamente sobre a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, em seu art. 6º, assim dispõe:

Art. 6º. A COFINS não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de:

I - exportação de mercadorias para o exterior;
(grifo nosso)

Além disso, a Lei 10.637/02, que trata basicamente da contribuição para os Programas de Integração Social – PIS, em seu art. 5º, prevê:

Art. 5º. A contribuição para o PIS/Pasep não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de:

I - exportação de mercadorias para o exterior;
(grifo nosso)

Diante destas previsões, tanto pela Constituição Federal quanto pela legislação ordinária, interpretadas de maneira extensiva e sistêmica, levando-se em conta os objetivos nacionais, o desenvolvimento econômico e as mudanças no cenário do comércio mundial, não há que se falar em restringir a isenção tributária de Pis e Cofins sobre as operações de “back to back credits”, sob pena de, o fazendo, ferir de morte nossas regras jurídicas maiores.

Tais operações devem sim ser submetidas a estes benefícios tributários que, inclusive, foram instituídos exatamente para este fim, ou seja, para o fim de estimular e desenvolver nossa economia, com geração de renda e emprego aos nacionais, como forma de avanço e desenvolvimento social. Restringir significaria, sem dúvida, retroagir. A evolução se tornaria revolução, ato oposto a todo ordenamento jurídico brasileiro.


São os fundamentos. Passa-se à conclusão.
3 – DA CONCLUSÃO


A operação de “back to back credits”, tema deste parecer, a nosso ver, constitui sim operação de exportação, fazendo jus ao benefício tributário, afirmação esta que se faz com base em fundamentos que transcendem a mera interpretação literal de dispositivos legais regentes da matéria. Nosso entendimento vai além.

Entretanto, cabe ressaltar que, no judiciário, não existem precedentes que assegurem, definitivamente, esta posição. Há, ainda, neste campo, uma dose considerável de incertezas, ao passo em que se deflagra posicionamento irresignável da Fazenda Nacional rejeitando as teses e as interpretações mais benéficas ao contribuinte, o que foi materializado na Solução de Consulta nº 202/2003, aqui já abordada.

Por certo que, diante da posição do Fisco, as empresas que procederem, em suas operações de “back to back credits”, ao não recolhimento do Pis e da Cofins, sob o entendimento de serem beneficiadas pela isenção, poderão sofrer autuação e, a seu turno, terão que realizar defesa administrativa que, provavelmente, será em vão, uma vez que o posicionamento do ente fiscalizador é negativo ao particular, como já demonstrado.

Todavia, não se pode admitir pacificamente a imposição de medida inadequada como esta, restritiva e ilegal, devendo, cada contribuinte, buscar os meios pertinentes e adequados ao exercício de seus direitos.

Tais direitos devem ser alcançados por meio de ações judiciais que visem, entre outras coisas, a declaração da aplicabilidade das isenções sobre as receitas provenientes de operações “back to back credits”, cabendo, inclusive, a título de pedido liminar, a suspensão imediata da cobrança do tributo até o julgamento de mérito da lide, fato que, num curto prazo, já beneficiaria o contribuinte.

Por derradeiro, uma certeza: as operações de “back to back credits” de fato se tratam de operações de exportação, cabendo, às empresas exportadoras, conjuntamente seus respectivos departamentos jurídicos, buscar a aplicação de um direito que, como visto, infere diretamente em seu desenvolvimento econômico.

É a conclusão.

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